Rotação de cultura: entenda como funciona

Em um sistema de produção agrícola, a sustentabilidade dos cultivos é fundamental para viabilizar a agricultura. Com o advento do sistema plantio direto, vários benefícios foram integrados ao sistema de produção, especialmente se tratando de culturas anuais como a soja. Além do controle da erosão superficial, o plantio direto possibilitou maior uso da terra, sustentabilidade dos cultivos e melhoria de atributos físicos, químicos e biológicos do solo. Além da semeadura sob a palhada, um dos principais fatores responsáveis pelo sucesso produtivo do sistema plantio direto é a rotação da cultura, em especial com o uso de plantas de cobertura.

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Mas o que é rotação de culturas?

Por conceito, a rotação de culturas consiste em alternar espécies vegetais no decorrer do tempo, numa mesma área agrícola, numa sequência planejada de cultivo de diferentes culturas, preferencialmente com sistemas de raízes diferentes entre si, como por exemplo, gramíneas e leguminosas, no inverno ou no verão, onde cada espécie desenvolve um efeito residual positivo para o solo e para o meio ambiente ou para a cultura sucessora (Embrapa).

Quais os benefícios da rotação de culturas?

A rotação de culturas proporciona benefícios diretos e indiretos, os quais podem ser expressos a curto, médio e longo prazo. Dentre esses benefícios podemos destacar a melhoria de atributos físicos, químicos e biológicos do solo, maior uso da terra, controle de pragas, doenças e plantas daninhas, além do aumento de produção de rentabilidade dos cultivos.

Rotação de cultura: benefícios ao solo

Conforme destacado por Franchini; Costa; Debiasi (2011), a rotação de culturas promove a melhoria estrutural do solo, influenciando significativamente a resistência do solo à penetração. O crescimento e desenvolvimento do sistema radicular de diferentes culturas possibilita a melhoria de atributos físicos do solo, contribuindo inclusive para o aumento de teor da matéria orgânica do solo.

Dentre outras funções, a matéria orgânica do solo atua como agente cimentante de partículas, contribuindo para a formação de agregados do solo. De maneira geral, áreas de cultivo que seguem a rotação de culturas apresentam menor resistência do solo a penetração, fato que proporciona melhor crescimento e desenvolvimento do sistema radicular das plantas, possibilitando maior volume de solo explorado.

Figura 1. Perfis de resistência á penetração de um Latossolo Vermelho distrófico manejado durante 22 anos sob (A) sistema plantio direto contínuo ou sob (B) plantio direto escarificado a cada três safras, em função da rotação (tremosso/milho – aveia/soja – trigo/soja – trigo/soja) e da sucessão de culturas (trigo/soja) (Franchini; Costa; Debiasi, 2011).

Perfis de resistência

Fonte: Franchini; Costa; Debiasi (2011)

Além dos visíveis benefícios aos atributos físicos do solo, a rotação de culturas também estimula o desenvolvimento da macro, meso e microfauna do solo, através da produção de exsudatos na rizosfera e produção de resíduos culturais. Algumas espécies de plantas inseridas na rotação de culturas possuem a capacidade em ciclar nutrientes do solo, ou seja, em virtude de características do sistema radicular dessas plantas, elas possuem a habilidade em absorver nutrientes do solo em camadas mais profundas do perfil, disponibilizando-os ao sistema de produção pós a decomposição dos resíduos culturais.

Figura 2. Esquema das diferentes plantas e seu sistema radicular.

Esquema das diferentes plantas e seu sistema radicular

Fonte: Bogiani & Ferreira (2017)

Uso de plantas de cobertura 

Embora a rotação de culturas possa ser realizada apenas com o emprego de culturas comerciais, o uso de plantas de cobertura vem crescendo em vários sistemas de produção, especialmente por essas serem plantas de rápido crescimento e desenvolvimento, e que de maneira geral, podem ser inseridas no sistema de produção durante os períodos entressafras das culturas comerciais.

Uma das maiores vantagens do cultivo de plantas de cobertura na rotação de culturas está relacionado a produção de biomassa dessas culturas. Algumas espécies possuem elevada produção de biomassa e matéria seca promovendo cobertura do solo por um longo período, além de servir como fonte de “adubação verde” pela quantidade de macro e micronutrientes presentes na biomassa das plantas.

Além do cultivo solteiro de espécies de plantas de cobertura, os chamados “mix” de plantas de cobertura buscam equilibrar a relação C/N da palhada residual, sem esquecer da importante contribuição das leguminosas ao sistema de produção. Basicamente o “mix” consiste no cultivo de duas ou mais espécies de plantas de cobertura (geralmente leguminosas e gramíneas) em uma mesma área de cultivo. A habilidade das leguminosas em fixar nitrogênio atmosférico aliada a elevada relação C/N das gramíneas possibilitam uma cobertura residual de alta qualidade em quantidade satisfatórias e com efeito duradoura na cobertura do solo.

Além dessas formas de cultivo, plantas de cobertura podem ser cultivadas na modalidade de consórcio com culturas comerciais, como é o caso do consórcio milho/braquiária que sem dúvidas é um dos consórcios mais eficientes do ponto de vista produtivo e sustentável.

Tabela 1. Quantidade de macro e micronutrientes presentes na biomassa de plantas de cobertura cultivadas em sucessão à soja e em consorcio com o milho.

Quantidade de macro e micronutrientes presentes na biomassa de plantas de cobertura

Fonte: Fonte: Bogiani & Ferreira (2017)

Rotação de cultura impacta na produtividade

Em virtude de todos os benefícios citados anteriormente, em comparação a cultivos de sucessão de culturas, cultivos em sistema de rotação de culturas tendem a apresentar maior produtividade. A cultura da soja por exemplo, apresenta respostas positivas à rotação de culturas, particularmente quando cultivada no verão subsequente ao cultivo de milho no verão. Considerando a produtividade média da soja no sistema de rotação com milho em relação a observada na sucessão com trigo, o ganho acumulado na produtividade da soja é de 17% (Franchini; Costa; Debiasi, 2011).

Figura 3. Produtividade média da soja em função do tempo após o cultivo do milho de verão, no sistema de rotação tremoço/milho – aveia/soja – trigo/soja e no sistema de sucessão trigo/soja. Produtividade correspondente a média de cinco safras para as condições ano 1 e ano 2 após o milho, quatro safras para a condição ano 3 após milho e 21 safras para a sucessão trigo/soja (Franchini; Costa; Debiasi, 2011).

Produtividade média da soja em função do tempo

Fonte: Franchini; Costa; Debiasi (2011)

Assim como para a cultura da soja, o aumento da produtividade em decorrência da rotação de culturas também foi observada por Kochhann et al. (2003) para a cultura do trigo, onde o cultivo do nabo-forrageiro (Raphanus sativus L.) inserido na rotação de culturas entre o cultivo do milho e do trigo, possibilitou aumento de produtividade do trigo independentemente da dose de nitrogênio aplicado na cultura.

Figura 4. Rendimento de grãos de trigo, com e sem nabo forrageiro como cultura intercalar às culturas de milho-grão e de trigo, em Independência, em 2000.

Rendimento de grãos de trigo

Fonte: Kochhann et al. (2003)

Existem outros relatos na literatura que comprovam a contribuição da rotação de culturas para o aumento da produtividade de culturas agrícolas, e diversos evidenciam a contribuição positiva da rotação de culturas.

Controle de pragas, doenças e plantas daninhas

Com relação ao controle de pragas e doenças, é possível afirmar que o principal papel desempenhado pela rotação de culturas está relacionado a quebra do clico de pragas e patógenos, refletindo em menor incidência deles em culturas comerciais. Além disso, algumas espécies de plantas possuem a habilidade em reduzir a populações de pragas de solo como nematoides fitopatogênicos, a exemplo de algumas espécies de crotalária que atuam inclusive na redução da taxa de reprodução dos nematoides.

Com relação ao controle de plantas daninhas, um dos principais benefícios promovidos pela rotação de culturas é a possibilidade de utilizar distintos mecanismos de ação de herbicidas para o controle dessas daninhas, uma vez que plantas daninhas da mesma família de plantas cultivadas são dificilmente controladas em meio cultivos agrícolas pela baixa seletividade de algumas culturas.

Além disso, a rotação de culturas em especial com plantas de cobertura proporciona maior cobertura do solo pelos resíduos culturais, atuando diretamente na redução dos fluxos de emergência de plantas daninhas fotoblásticas positivas como a Buva (Conyza spp.), preocupante planta daninha do sistema de produção de soja. Conforme observado por Vidal et al. (2007), embora a temperatura seja um dos principais fatores responsáveis pela germinação de sementes de buva, ocorre uma drástica redução da germinação das sementes dessa daninha sob condições de sombreamento (escuro), efeito esse promovido pela palhada.

Germinação de buva

Fonte: Vidal et al. (2007)

Cada ponto no gráfico representa a média de 16 repetições. Barra vertical indica diferença mínima significativa (DMS) (P<0,05) para comparar resultado entre os regimes térmicos e de luminosidade.

Vários outros benefícios diretos e indiretos são proporcionados pela rotação de culturas, e esses podem variar de acordo com o sistema de produção, clima, ambiente, entre outros. Entretanto, cabe destacar que a rotação de culturas é essencial para reduzir os custos de produção e aumentar a sustentabilidade de culturas agrícolas.

Elaborar um sistema de rotação de culturas e colocá-lo em prática requer muito planejamento e persistência, mas quando consolidado, ele certamente irá promover “bons frutos” ao sistema de produção. Gonçalves et al. (2007) propuseram uma sequência de culturas para compor o sistema de rotação de culturas com soja e trigo (tabela 2), que pode auxiliar técnicos e produtores na escolha das culturas para seu sistema. Entretanto cabe destacar que cada sistema de rotação de culturas deve levar em consideração fatores como o ambiente, clima, disponibilidade de insumos, viabilidade e objetivo da produção.

Tabela 2. Sinopse da sequência de culturas, indicadas preferencialmente em relação à cultura principal, para compor sistemas de rotação com a soja e trigo, no Paraná.

Sinopse da sequência de culturas

Fonte: Gonçalves et al. (2007)

1 Nas regiões onde não ocorre sclerotinia em soja, o girassol pode anteceder essa cultura. Em todos os casos, o girassol ou canola deve ser cultivado com intervalos mínimos de três anos na mesma área. 2O azevém pode tornar se invasora. – 3Quando semeado após 15 de junho. 4Quando semeado de maio até 15 de junho.

Além de proporcionar sustentabilidade ao sistema de produção, a rotação de culturas possibilita a intensificação dos cultivos e diversidade de culturas, trazendo benefícios diretos e indiretos que refletem inclusive na redução dos custos de produção e no aumento da produtividade de culturas agrícola, sendo então, uma prática essencial para altas produtividades.

Referências:

BOGIANI, J. C.; FERREIRA, A. C. B. PLANTAS DE COBERTURA NO SISTEMA SOJA-MILHO-ALGODÃO NO CERRADO. IPNI, Informações Agronômicas, 2017.

EMBRAPA. CONCEITOS E BENEFÍCIOS DA ROTAÇÃO DE CULTURAS. Agência Embrapa de Informação Tecnológica.

FRANCHINI, J. C.; COSTA, J. M.; DEBIASI, H. ROTAÇÃO DE CULTURAS: PRÁTICA QUE CONFERE MAIOR SUSTENTABILDIADE À PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO PARANÁ. IPNI, Informações Agronômicas, n. 134, 2011.

GONÇALVES, S. L. et al. ROTAÇÃO DE CULTURAS. Embrapa, Circular Técnica, n. 45, 2007.

KOCHHANN, R. A. et al. RENDIMENTO DE GRÃOS DE TRIGO CULTIVADO EM SEQÜÊNCIA AO ADUBO VERDE NABO FORRAGEIRO. Embrapa, Comunicado Técnico, n. 116, 2003.

VIDAL, R. A. et al. IMPACTO DA TEMPERATURA, IRRADIÂNCIA E PROFUNDIDADE DAS SEMENTES NA EMERGÊNCIA E GERMINAÇÃO DE Conyza bonariensis E Conyza canadensis RESISTENTES AO GLYPHOSATE. Planta Daninha,Viçosa-MG, v. 25, n. 2, p. 309-315, 2007.

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