Durante o ciclo de desenvolvimento da soja, diversos processos fisiológicos e bioquímicos se sucedem na planta, modulando sua demanda por recursos e influenciando a transição entre os diferentes estádios fenológicos. Entender a interação entre esses processos e as exigências da planta em cada fase é fundamental para posicionar corretamente as práticas de manejo, com o objetivo de estimular respostas fisiológicas desejáveis e maximizar o desempenho produtivo.
Ao longo do ciclo da soja, a planta atravessa fases distintas, cada uma com exigências específicas em termos de temperatura, água, nutrientes e luz. Essas variações impactam diretamente o crescimento vegetal, o acúmulo de nutrientes, a formação dos componentes de produtividade e, consequentemente, a produtividade final da cultura. Além disso, a aplicação estratégica de reguladores de crescimento em momentos-chave do cliclo da soja pode favorecer comportamentos fisiológicos benéficos, contribuindo para o aumento do rendimento.
Nesse contexto, compreender em profundidade a fisiologia da soja e os processos que ocorrem em cada fase do desenvolvimento é essencial para orientar práticas de manejo, reduzir lacunas de produtividade e atingir altos patamares produtivos. Para fins de melhor compreensão e comunicação, as fases de desenvolvimento da soja são divididas em dois grandes períodos, o período vegetativo e o período reprodutivo, representados respectivamente pelas letras V e R na escala fenológica da cultura, seguidas pelo número que configura o estádio.
Ciclo de desenvolvimento da soja

Ciclo da Soja: Fase Vegetativa
A fase vegetativa da soja começa pela germinação e emergência da plântula. Para que o processo de germinação da semente ocorra, pelo menos três fatores são necessário: água, oxigênio e temperatura. Em soja, a germinação das sementes ocorre de forma mais eficiente quando a temperatura do solo se encontra na faixa ideal de 20 °C a 30 °C. Além da temperatura, a disponibilidade de água é outro fator determinante: a semente precisa absorver, no mínimo, 50% do seu peso em água para que o processo germinativo ocorra de maneira adequada (Farias; Neumaier; Nepomuceno, 2009).
O processo de germinação da soja ocorre em três etapas. Na primeira etapa (fase I), ocorre o processo de embebição da semente, em que a semente absorve água e o oxigênio necessário para dar início da germinação. Já na fase II, com a embebição completa, uma série de eventos metabólicos no interior da semente preparam a emergência da radícula, enquanto na fase III, ocorre o alongamento da radícula pelo aumento da absorção de água devido à redução do potencial osmótico das células da radícula. Tal fato ocorre em função da hidrólise de substâncias de reserva, gerando micromoléculas solúveis, que atraem água por osmose. Esse evento é considerado como pós-germinativo (Paulilo; Viana; Randi., 2015).
Figura 2. Curva de absorção de água e oxigênio e principais eventos celulares durante a embebição

Após a emergência, a plântula atinge o estádio cotiledonar (VC). A planta utiliza as reservas do cotilédone para suprir suas necessidades durante os primeiros dias após a emergência, e/ou até próximo de V1. Estudos indicam que durante esse período, a perda de um cotilédone tem pequeno efeito sobre a taxa de crescimento da planta, no entanto, a perda dos dois cotilédones pode reduzir em até 9% o rendimento da soja. A partir de V1, a fotossíntese das folhas em desenvolvimento é suficiente para a planta se sustentar (Potafos, s. d.).
A expressão das folhas jovens depende da soma térmica e do fotoperíodo requerido pela cultivar, no entanto, estima-se que entre a abertura dos cotilédones (VC) e o quinto nó vegetativo formado (V5) uma nova folha se forma a cada 5 dias, e a partir do estádio V5, a cada 3 dias até logo após o início da granação das vagens (R5), quando o número máximo de nós vegetativos é atingido (Potafos, s. d.).
Logo, a partir de V1 toda a demanda energética da planta é sustentada pela produção de fotoassimilados pela fotossíntese. Nesse contexto, é fundamental que a disponibilidade hídrica, a temperatura, o teor de gás carbônico e os teores nutricionais do solo, não sejam fatores limitantes à fotossíntese. Nesse período o equilíbrio hormonal também assume um papel fundamental na fisiologia da soja.
Alguns fitormônios estão intimamente relacionados ao crescimento vegetal, e atuam na regulação dos processos envolvidos no crescimento, e portanto, são mais requeridos durante a fase vegetativa, a exemplo da auxina. Considerando que na soja há uma grande concentração de auxina durante a fase do crescimento vegetativo, o posicionamento de reguladores de crescimento a base de auxina nesse período pode induzir a comportamentos que alterem a arquitetura de plantas por meio do estímulo ao crescimento vegetal, bem como aumentar a tolerância das plantas a condições de estresses.
Figura 3. Níveis Hormonais da planta em função da etapa de desenvolvimento

Vale destacar que os fitormônios também atuam na sinalização da mudança de estádio, podendo induzir a planta a mudar de fase de desenvolvimento. Contudo, considerando que durante o período vegetativo a planta prioriza o crescimento e acúmulo de matéria seca e nutrientes, a modulação da arquitetura de planta visando aumentar a interceptação solar e consequentemente a fotossíntese é uma das estratégias de manejo para o aumento da produtividade.
Outros fitormônios como giberelinas e citocininas também atuam no crescimento e desenvolvimento vegetal durante o período vegetativo da soja. A citocinina atuam em conjunto com as auxinas para a ativação do ciclo celular, estimulando assim o crescimento, já as giberelinas, além de exercerem um importante papel na germinação das sementes (realizando a mobilização do amido), atuam no elongamento celular (Paulilo; Viana; Randi, 2015). De forma conjunta, esses fitormônios interagem, induzindo respostas fisiológica na planta.
Durante a fase vegetativa da soja, há um crescente aumento da absorção de nutrientes pela planta (figura 4), esses nutrientes desempenham funções bioquímicas vitais, e a deficiência de dado nutriente, limita o crescimento e desenvolvimento vegetal. Em soja, o nutrientes mais requerido pela planta é o Nitrogênio.
Embora fertilizantes nitrogenados sejam amplamente utilizados na agricultura, para a cultura da soja, a inoculação das sementes ou sulco de semeadura com bactérias fixadoras de nitrogênio do gênero Bradyrhizobium é capaz de suprir todo o Nitrogênio necessário para boas produtividades (Gitti, 2016). A relação dessas bactérias com a soja começa no processo de germinação e emissão da radícula.
De acordo com Hungria et al. (2007), ao germinar, a semente exsuda diversas moléculas; umas atraem quimicamente os rizóbios, outras estimulam o crescimento das bactérias na rizosfera da planta hospedeira e outras, ainda, ativam diversos genes da bactéria, responsáveis pelo início da nodulação. Quando ativados, esses genes da nodulação induzem a bactéria a produzir outras moléculas, que, por sua vez, ativarão genes da planta hospedeira, responsáveis por dar continuidade ao processo de nodulação.
Nos nódulos, as bactérias fixadoras de Nitrogênio capturam o N atmosférico e o transformam em formas assimiláveis pela planta, disponibilizando o nutriente para a soja. Em contrapartida, a planta fornece abrigo e carboidratos para a sobrevivência das bactérias (Hungria et al., 2007). Esse processo demanda um pequeno gasto energético da planta pra a formação dos nódulos, mas que não prejudica o crescimento e desenvolvimento inicial da soja. A fixação biológica de Nitrogênio se estende até o período de enchimento de grãos, quando então inicia-se a senescência dos nódulos (Hungria; Campo; Mendes, 2001).
Fase reprodutiva
A soma térmica (acúmulo de graus dia), o fotoperíodo e o aumento da concentração de fitormônios (giberelina) atuam em conjunto e sinalizam para a planta dar início ao período reprodutivo. A soja é considerada uma planta de dia curto, e portanto, floresce ao atingir o fotoperíodo crítico (número máximo de horas de luz), ou horas de luz abaixo do número máximo a cada ciclo de 24 horas (Paulilo; Viana; Randi, 2015).
Paulilo; Viana; Randi (2015) destacam que durante a fase de floração e na formação de sementes, a planta necessita intensificar a fotossíntese a fim de produzir as substâncias de reserva que serão acumuladas nesses órgãos. Para isso, é essencial que haja uma quantidade adequada de folhas fotossintéticamente ativas, capazes de suprir as demandas energéticas do início do florescimento e sustentar a conclusão dessa etapa vital do ciclo, garantindo a formação das sementes.
Além disso, alguns nutrientes apresentam relação direta com a processo de florescimento e polinização da soja. O Boro por exemplo, é requerido para a formação do tubo polínico e esta envolvido no processo de germinação do grão de pólen (Taiz et al., 2017), e portanto, sua deficiência nesse período pode atuar de forma limitante na produção (Furlani et al., 2001).
Na fase reprodutiva, também ocorre o máximo acúmulo de nutrientes na planta (figura 4) e o foco da translocação dos fotoassimilados muda do crescimento vegetal para a formação das flores, legumes e grãos, que passam a assumir o papel de dreno na planta, especialmente durante o período de enchimento de grãos, período esse subdividido no estádio R5 em R5.1, R5.2, R5.3, R5.4 e R5.5 de acordo com a porcentagem de grãos cheios na cavidade dos legumes.
Em R5, tem-se o máximo desenvolvimento de área foliar, raízes e fixação de N2 pelas bactérias presentes nos nódulos. Essa fase é extremamente exigente em água (5 a 7 mm dia-1), pois inicia a translocação dos fotoassimilados para os grãos que ocorre via fluxo de seiva (Tagliapietra et al., 2022).
Na escala fenológica da soja, o início da floração é marcado pelo estádio R1, caracterizado pelo surgimento de uma flor aberta em qualquer nó da haste principal, enquanto a fase de maturação fisiológica inicia quando qualquer legume da haste principal apresenta coloração madura e encerra quando atingir 95% dos legumes nesta característica. Na maturação, ocorre o máximo acúmulo de matéria seca nos grãos, as plantas não absorvem mais água e nutrientes e os legumes começam a perder a coloração verde, ocorrendo o processo físico de perda de água até a umidade ideal para colheita (13 a 15%) (Tagliapietra et al., 2022).
Em especial no período de enchimento de grãos, estresses abióticos como o déficit hídrico podem encurtar a duração do período, reduzindo a capacidade da planta em encher grãos, afetando consequentemente a produtividade da cultura. Estresses bióticos ocasionados por pragas também exercer forte influência sobre o enchimento de grãos. Pragas desfolhadoras como lagartas podem reduzir a área fotossintética da planta, afetando sua capacidade em produzir fotoassimilados e transloca-los para os grãos.
Há também pragas que atacam os grãos e legumes como os percevejos, que apresentam elevada capacidade em reduzir atributos quantitativos e qualitativos das sementes. Nesse sentido, o monitoramento da lavoura deve ser intensificado durante o período do enchimento de grãos, a fim de adotar estratégias que mitiguem o efeitos dos estresses nesses períodos.
Estresses térmicos durante a floração também podem prejudicar a formação dos grãos. Especialmente durante o período de flor, altas temperaturas podem causar o abortamento das flores em função da indução a formação de fitormônios envolvidos em respostas fisiológicas da planta a condições de estresse, como o ácido abscísico e o etileno , responsáveis pelo abortamento das flores nessas condições.
Maturação e senescência
Ao final de R6, o estádio R7 marca o início da senescência da soja. Nesse período, o crescimento das raízes e parte aérea da planta é praticamente nulo e o acúmulo de matéria seca nos grãos cessa. Esse processo inicia com a degradação da clorofila e de proteínas. Hormônios como etileno e ácido abscísico participam da regulação dessa fase.
Durante o processo de senescência, a planta começa a mudar de cor, do verde para o amarelo e palha, até perder todas as folhas e os grãos atingirem umidade adequada para colheita. Ao final da senescência (R8 – maturidade completa), todas as reservas da planta já foram mobilizadas para os grãos e as sementes apresentam todas as partes da planta necessárias para começar sua próxima geração, marcando o fim do ciclo biológico da planta (Potafos, s. d.).
Figura 5, Sequência de maturação de vagens e grãos de soja. Da esquerda para a direita, evolução da cor verde (estádio R6) para a cor marrom (ponto de colheita).

Embora após R6 as plantas já apresentem os grãos completamente formados, a incidência de pragas como percevejos pode reduzir atributos qualitativos das sementes como germinação e vigor, nesse sentido, o monitoramento de pragas mesmo após o início da senescência da soja é justificado, especialmente se tratando de lavouras destinadas a produção de sementes.
Além de estresses bióticos e abióticos supracitados, determinadas práticas de manejo também podem afetar a qualidade final das sementes. A dessecação pré-colheita em período inadequado, assim como o descaso com o intervalo entre a dessecação pré-colheita e a colheita, podem resultar na perda de qualidade das sementes e/ou presença de resíduos de agrotóxicos nelas, comprometendo não só a viabilidade das sementes como também a segurança alimentar.
Outro fator determinante sobre a qualidade final dos grãos é a umidade de colheita. Realizar a colheita da soja com umidade inadequada pode resultar em danos mecânicos, externos ou internos nas sementes, que servem como porta de entrada para patógenos e prejudicam atributos fisiológicos como germinação e vigor (França-Neto et al., 2016).
Interações com o ambiente
Durante o ciclo de desenvolvimento da soja, a planta está sujeita a incidência de diversos fatore bióticos e abióticos que podem influenciar diretamente ou indiretamente a produtividade da cultura. Dentre os principais fatores bióticos de importância econômica, podemos destacar a ocorrência de plantas daninhas, pragas e doenças sobre a cultura.
O potencial em causar danos varia de acordo com o agente biológico, período de interferência e estádio em que acomete a soja, mas , em casos mais extremos, pode até mesmo inviabilizar a lavoura. Nesse sentido, adotar um adequado programa fitossanitário seguindo as recomendações técnicas para a cultura é uma das melhores formar de proteger a planta e reduzir a interferência de estresses abióticos sobre o crescimento e desenvolvimento da soja.
Além dos fatores bióticos, os fatores abiótico e portanto mais difíceis de serem controlados, exercem importante influência sobre o sucesso da lavoura. A soja necessita de uma faixa adequada de temperatura, luminosidade, disponibilidade hídrica e uma nutrição adequada para que possa expressar seu potencial produtivo. Nesse sentido, qualquer condição isolada ou associada capaz de causar estresses sobre a planta, pode impactar negativamente a produtividade da lavoura.
Além de solos com um bom equilíbrio nutricional, o posicionamento de cultivares com base em suas aptidões de cultivo e exigências ambientais é uma das principais medidas para evitar estresses abióticos. Vale lembrar que um estresse abiótico pode ocorrer de diferentes fontes isoladas e/ou associadas. Como supracitado, tanto o déficit hídrico quando elevadas temperaturas em períodos cruciais do desenvolvimento da soja podem resultar na redução acentuada do potencial produtivo da lavoura (figura 6). Além disso, a nível de campo, é comum observar plantas sob condições de estresse, tanto por fatores bióticos quanto abióticos de forma conjunta.
Figura 6. Abortamento de legumes de soja em função da ocorrência de estresse

Fisiologicamente, a planta responde às diferentes condições de ambiente tentando se adaptar as condições atuais para sobreviver. Nesse contexto, práticas de manejo que auxiliem a planta a enfrentar períodos de estresse, tais como ajuste da adubação, o uso criterioso de reguladores de crescimento e/ou bioestimulantes, assim como o ajuste da lâmina de irritação (em lavouras irrigadas), são alternativas viáveis para reduzir as perdas de produtividade ou potencializar a formação de componentes de rendimento.
Em suma, diversos processos bioquímicos e fisiológicos ocorrem na planta, estando esses processos, sujeitos a influência de fatores bióticos e abióticos. Nesse sentido, conhecer a fisiológica da soja e suas diferentes demandas ao longo do ciclo é crucial para posicionar estratégias de manejo para potencializar a formação de componentes de produtividade ou mitigar o efeito de estresses sobre a planta.
Nesse sentido, boas práticas como o ajuste da adubação, o adequado posicionamento de cultivares, o uso de substancias estimulantes e o monitoramento frequente da lavoura para identificar fatores limitantes e a necessidade de intervenção, são cruciais para a obtenção de boas produtividades.
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